Cena do filme 'Ela', quando Theodore instala o sistema operacional Samantha |
Fato 1: o ser humano tem uma necessidade instintiva de se relacionar. É raro encontrar alguém que foge à regra. Como bem canta Alceu Valença: "A solidão é fera, a solidão devora"...
Fato 2: esse relacionamento não precisa ser necessariamente com outro ser humano. Veja quantas pessoas conversam com animais de estimação. Dialogam com eles como se esperassem uma resposta, tratam até como filhos. Outros, falam com as plantas...
Fato 3: o relacionamento é tão importante que as redes sociais vivem cheias, lotadas de pessoas à procura de pessoas. Para uma boa parte, é mais fácil desabafar na frente de um monitor de computador, teclando seus sentimentos, espalhando pela rede...
Fato 4: o cérebro humano tem uma necessidade primária de se comunicar. E o que fazer quando se está só por um bom tempo? A gente pode conversar com o próprio cérebro, uai! Parece loucura, mas é apenas uma forma de interagir consigo mesmo. Experimente qualquer hora fazer uma pergunta para seu cérebro. A resposta vem quase imediata, como se realmente ele respondesse - na verdade, é ele mesmo agindo...
A solidão leva a gente a procurar refúgio em qualquer ser, mesmo inanimado. E existem bons exemplos disso, na vida real ou ficção. Em 2002, o relacionamento inusitado de um dos participantes do programa BBB, da TV Globo, conhecido como Kléber Bambam, o levou a vencer a primeira edição do reality show. No começo, se achava o rei das mulheres, se relacionou até com uma das participantes, mas sua arrogância o afastou dos outros. Acabou rejeitado pelo grupo e enfrentou diversos paredões, saindo vitorioso porque, na verdade, era um crianção.
Sem ninguém para conversar, montou uma boneca e a chamou de Maria Eugênia. Na reta final do programa, a produção tirou seu brinquedo e único amigo. Chorando como criança, Bambam foi ao confessionário e pediu que lhe devolvessem a boneca. Bastou para que o público se comovesse.
Em "O Náufrago" (Cast Away, 2000), Chuck Noland (Tom Hanks) sofre um acidente aéreo e vai parar em uma ilha deserta. A solidão o leva a desenhar um rosto - com sangue - em uma bola de vôlei, a quem chama de Wilson - por causa da marca do produto. Seu desespero ao perder o "amigo" no mar também é emocionante.
Então, seria possível se apaixonar por um programa de computador? Difícil responder, né. E e se este programa fosse especial, com uma inteligência artificial capaz de aprender com você e se relacionar? Isso mesmo, se relacionar! Rir, fazer piadas, comentar sobre as coisas que você gosta...
Se acha que não, como explicar tantos namoros que surgiram em salas de bate-papo na internet? As pessoas não se conhecem, moram até em países diferentes, mas trocam confidencias e, de repente, estão apaixonadas, mesmo sem poder se tocar.
Perguntas como a do título deste texto são discutidas no excelente filme "Ela" (Her, 2013). Na história, o protagonista é Theodore (Joaquin Phoenix), um escritor de cartas solitário que está enfrentando a barra de um divórcio. Ele busca companhia em salas de bate-papo, em encontros com mulheres de verdade, mas acaba se apaixonando mesmo por Samantha (Scarlett Johansson). Ou melhor, pela voz dela, pois trata-se de um novo sistema operacional para computador.
A curiosidade sobre esse relacionamento real-virtual é o que leva a assistir ao filme escrito, dirigido e produzido por Spike Jonze. Theodore vive em um futuro próximo, em que conversa com o próprio celular andando pela rua. E não parece louco, porque as pessoas que passam por ele fazem a mesma coisa, praticamente ignorando uns aos outros.
Há momentos no filme em que este relacionamento entre o sensível Theodore e Samantha leva você a se emocionar. E a refletir se realmente isso será possível um dia. Talvez uma das partes mais marcantes de "Ela" seja uma das frases do protagonista ao se declarar para o sistema operacional: "Eu nunca amei ninguém do jeito que eu te amo"...
Siga o Zemarcos